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[OPINIÃO] A “Contabilidade Freestyle”

  • Jivago Delleon Göergen, Advogado
  • 29 de abr.
  • 4 min de leitura

Atualizado: 9 de mai.



O sistema tributário brasileiro é daqueles que dão nó na cabeça e dor no bolso. Com práticas que incham a carga de impostos de um maneira ardilosa, o governo usa de mecanismos que são verdadeiros malabarismos matemáticos para aumentar o imposto cobrado, sem que o contribuinte perceba.

Três pontos mostram bem o quanto isso é absurdo: a inclusão do frete na base de cálculo do IPI, a inclusão do IPI na base de cálculo do ICMS e o cálculo “por dentro” (mas o quê?! Explico a seguir) do ICMS. Essas jogadas não só pesam no bolso do contribuinte, mas mais grave ainda, enganam o cidadão para cobrar mais impostos do que a alíquota estabelecida em legislação, desrespeitando princípios jurídicos que deveriam ser sagrados.

Primeiro vamos tratar do frete. Sabe aquele custo pra transportar a mercadoria? Pois é, ele entra na base de cálculo dos impostos, mas por quê?  Estamos falando de um serviço prestado no exterior, por empresas estrangeiras, muitas vezes sem qualquer vínculo com o Brasil. O imposto de importação tem como objetivo proteger a indústria nacional e tributar bens estrangeiros que entram no país — não serviços externos.

Mesmo sob a ótica protecionista taxar o frete é errado. O frete internacional, por si só, já representa uma desvantagem econômica do produto importado em relação ao produzido no Brasil. É um custo adicional inevitável, que encarece o bem estrangeiro antes mesmo de qualquer tributação. Quando o governo inclui esse frete na base de cálculo do imposto de importação, está, na prática, penalizando duas vezes o mesmo fator: primeiro, porque o frete já afeta a competitividade do produto importado, e segundo, porque passa a tributar esse custo como se fosse parte do valor da mercadoria. Isso configura um verdadeiro bis in idem — uma dupla penalização econômica que em vez de proteger a indústria nacional, pune o importador duplamente apenas para forçar uma maior arrecadação.


Depois, tem a própria alíquota do imposto de importação - IPI, qual seja, 60%, que em muitos casos já pode ser considerada uma alíquota proibitiva e impraticável. Mas além disso, tem o fato de o IPI entrar na base de cálculo do ICMS. Funciona assim: você paga o ICMS não só sobre o valor do produto, mas também sobre o IPI que já foi cobrado. É imposto cobrado em cima de imposto, uma cascata tributária que aumenta desproporcionalmente o valor cobrado! Essa prática fere, novamente, o princípio da vedação ao bis in idem, que proíbe cobrar imposto duas vezes sobre o mesmo fato gerador. Além disso, viola a transparência tributária, porque o cidadão comum não tem ideia de que tá pagando esse extra.

E pra coroar, tem o cálculo “por dentro” do ICMS, que nada mais é que o próprio ICMS entra na base de cálculo dele mesmo. Então, uma alíquota de 17%, por exemplo, vira mais de 30% na prática.

Não consegue visualizar? O cálculo é o seguinte:


Veja que já é um absurdo o IPI compor a base de cálculo do ICMS, que deveria incidir apenas sobre o produto, novamente, pela vedação do bis in idem.

Mais que isso, não só o IPI integra a base de cálculo do ICMS, como também o próprio ICMS compõe a sua própria base de cálculo (daí a expressão "cálculo por dentro"), escalonando os valores cobrados do contribuinte que acredita estar pagando 60% de IPI, 17% de ICMS, quando na verdade você está pagando 32,78% de ICMS, justamente em razão das manobras contábeis utilizadas pelo governo para aumentar a arrecadação.

Gosto de me referir a esse tipo de prática como contabilidade freestyle, pois embora a legislação aprovada tenha sido de 60% para o IPI e 17% para o ICMS, o Estado brasileiro utiliza de mecanismos escusos para que o imposto cobrado seja consideravelmente superior àquilo que o contribuinte acredita estar pagando.

O governo fala uma alíquota, mas o que você paga é outra maior. Isso vai contra os princípios da transparência e da moralidade administrativa, que estão insculpidos no artigo 37 da Constituição e que deveriam ser observados pelo Estado brasileiro.

Com esse truque, fica impossível para o cidadão pessoa média saber com precisão quanto de imposto está pagando.

Agora, tem quem defenda essas práticas dizendo que elas protegem a indústria nacional, porque encarecem produtos importados e favorecem os fabricados aqui. Só que esse argumento não cola. O próprio governo brasileiro já criticou os Estados Unidos sob a administração Trump pelo conhecido “tarifaço global”. Reclamaram de 10% aplicados pelos EUA sobre produtos importados do Brasil, ignorando o fato que taxam 92% com essa mesma desculpa de “proteger a indústria nacional”.

Ora, como pode? Criticar os outros por proteção e fazer a mesma coisa aqui? Essa contradição revela que o argumento de “defesa da indústria nacional” é mero pretexto para permitir uma maior arrecadação pelo Estado brasileiro, ou como alguns já tem percebido, uma maior exploração do cidadão brasileiro.

No final das contas, essas práticas – taxar frete, incluir IPI na base do ICMS e calcular ICMS “por dentro” – são o que a gente pode chamar de contabilidade freestyle. É aquele jeitinho tipicamente brasileiro que o Estado encontrou de cobrar mais imposto, enganando o contribuinte que acredita que está pagando um valor, quando na verdade é outro muito maior.

Essa contabilidade freestyle é um desrespeito com o contribuinte e fere de morte os princípios entabulados na Constituição Federal. Taxar frete, empilhar imposto sobre imposto e usar cálculo recursivo, enganar o povo, aumentar o custo de tudo em época em que a inflação já está descontrolada, são verdadeiros crimes cometidos contra o contribuinte. E ainda contradiz o discurso do governo de que é uma prática protecionista.

Pra encerrar, a chamada “contabilidade freestyle” é uma prática governamental ardilosa, camuflada, utilizada para aumentar imposto, enganando o contribuinte e distorcendo a lógica tributária, violando os princípios da transparência e moralidade administrativa, e enfraquecendo a confiança da população no Estado. É uma prática abusiva que revela um problema ético e político ainda mais profundo.

O que expus aqui é apenas um dos aspectos escabrosos que existem no Direito Tributário brasileiro. Existem muitos outros. E você paga por todos eles.

Quando isso vai mudar?

Em quem você votou para deputado e senador na última eleição?

 

DELLEON GÖERGEN ADVOCACIA. Todos os direitos reservados.

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